Serie III: Impunidad y Verdad

Ko'aga Roñe'eta

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Seminario Internacional: "Impunidad y sus Efectos en los Procesos Democráticos".
Santiago de Chile, 14 de diciembre de 1996

   Marco Institucional de la Impunidad



ALGUNOS ASPECTOS DA REALIDADE BRASILEIRA


Por Salvino José dos Santos Medeiros
Asociazione Macondo Itália/Brasil
Centro de Cooperação e Atividades Populares
Movimento Nacional de Direitos Humanos.






Introdução

O presente texto, na tentativa de atender as perspectivas da equipe organizadora do Seminário Internacional "Impunidad y sus efectos en los procesos democraticos", realizado pelas entidades CODEPU - Comité de Defensa de los Derechos del Pueblo; FASIC - Fundación de Ayuda Social de las Iglesias Cristianas e SERPAJ-Chile - Servício Paz y Justicia, pretende resgatar os principais instrumentos jurídicos utilizados no processo de transição política do Regime Militar ditatorial à Democracia formal constituída no Brasil. Hoje, após 11 anos de sua instalação, podemos identificar e melhor analisar a importância e contribuição dos espaços políticos e dos instrumentos legais forjados no processo político democrático, mesmo de forma fragmentada, buscando realizar um exercício de projeção analítica, na perspectiva de qualificação da intervenção neles e com eles.

Não atingimos o estágio da Democracia onde a participação do conjunto da sociedade se dê com a plena igualdade de oportunidades. Ainda prevalecem a força do poder econômico, da corrupção e do jogo de influências, para não ampliar demais o leque dos impecilhos. De qualquer forma, a sociedade brasileira tem a sua dinâmica própria e o fortalecimento das instituições democráticas e dos institutos jurídicos de um Estado de Direito serão aperfeiçoados no transcorrer da história.

A institucionalização das organizações populares na sociedade brasileira

Um dos aspectos que considero relevante para uma discussão sobre a democracia brasileira refere-se ao processo de organização de segmentos da população - movimentos e entidades populares; sindicatos e associações de classes, públicas e privadas; ONGs, como entidades de mediação e apoio popular etc., pois sua contribuição na explicitação das contradições das relações sociais e políticas gestadas durante o período do governo militar influenciou no redirecionamento sobre a discussão da reconquista da cidadania individual para a cidadania coletiva.

Se, num sentido, esse movimento viabilizou um espaço para a ação participativa de uma parcela considerável da população excluída, o que politicamente melhor interviu na concretização de mudanças políticas necessárias, noutro sentido não conseguiu construir conjuntamente a ação cidadã individualizada da maioria dos marginalizados ou, ao menos,

das pessoas envolvidas nesse processo. Quero dizer, os indivíduos não foram preparados o suficiente para exercerem sua cidadania ativa, na condição de cidadãos e cidadãs contribuintes e auto-determinadas.

De fato, esses segmentos da sociedade brasileira, "politicamente" organizados, institucionalizaram-se e as pessoas comuns passaram a ser representadas, inclusive juridicamente, mesmo que, em muitos casos, essas representações não tivessem a real legitimidade para tanto em razão de fatores resultantes da crise de participação de fato, nessas organizações.

Contudo, é inegável o sucesso da organização popular brasileira que conseguiu adiantar o próprio processo de democratização, a partir da revelação possível das distorções político/administrativas, impulsionando assim a construção de instrumentos jurídicos de combate delas.

A importância das Instituições Nacionais e Internacionais

Determinadas instituições, a exemplo da OAB - Ordem dos Advogados do Brasil; ABI - Associação Brasileira de Imprensa; CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, pela capacidade de interlocução e influência política na sociedade, foram de grande significado para o processo de democratização política no Brasil, pois se fizeram presentes nos momentos mais difíceis da transição política nacional, como porta-voz dos interesses dos segmentos sociais, vítimas da repressão da ditadura.

A nível internacional, na atual conjuntura, a articulação com entidades como a Anistia Internacional, a Americas Watch, o FIDEH - Forum Interamericano de Direitos Humanos, IIDH - Instituto Interamericano de Direitos Humanos, entre outras, tem contribuído para uma maior pressão junto aos órgãos públicos responsáveis pela política de segurança pública e ao mesmo tempo ajudam a fortalecer o trabalho desenvolvido pelas entidades civis brasileiras.

A Constituição Brasileira pós ditadura

A elaboração da atual Constituição da República Federativa do Brasil foi uma experiência de participação democrática jamais vivida no País. A sociedade brasileira, e com destaque para os movimentos sociais e populares, se mobilizou, guardada as devidas proporções na acumulação de forças, resultado do domínio de informações, recursos econômicos e poder de fato, e conseguiu influir na formulação constitucional assegurando direitos novos, muito deles ainda não regulamentados e/ou implementados na sua globalidade.

A inscrição do reconhecimento aos direitos coletivos - Mandado de Segurança Coletivo - e difusos, indisponíveis e inalienáveis; a possibilidade da obtenção de informação pessoais sob controle do Estado por meio do instituto do Habeas Data; a possibilidade de intervir na administração pública por meio do Mandado de Injunção; o reconhecimento da autonomia municipal, entre outros, representam um signicante passo para a consolidação do Estado Democrático de Direito.

Essa mesma Constituição Federal, amada por muitos e criticada por outros, resgatou a discussão sobre a infância e a adolescência; sobre a cultura de preconceito e discriminação, ainda vigente, contra os índios, Negros, Mulheres e minorias específicas; buscou proteger o consumidor, entre outros, o que ensejou a promoção de leis próprias, regulamentadoras, tais como o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/90; Leis 8.072/90 e 8.930/94 sobre os crimes hediondos; Lei 9.034/95 sobre crime organizado; Lei 7.716/89 sobre preconceito e discriminação racial; Lei 7.347/85 disciplinando a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente etc.

O Ministério Público, por definição na atual Carta Magna, passou a ser uma instituição permanente, incumbido da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

O principal problema a ser enfrentado no Brasil é de dimensão cultural. O País tem uma vasta legislação e um número razoável de instituições que poderiam estar prestando um melhor serviço ao desenvolvimento nacional. A Cultura da Impunidade e os Instrumentos Jurídicos de Combate

A cultura de violação aos direitos humanos é um dos principais impedimento à estabilidade do Estado de Direito. E a justificativa para a, também, cultura de impunidade pode ser encontrada no processo da colonização brasileira, que institucionalizou a tortura, como castigo físico para exigir o trabalho forçado e posteriormente na investigação de supostos delitos. A discriminação sócio-racial tem uma dimensão maior do que se tem percebido e analisado até os tempos de hoje e é estimulada pelos principais meios de comunicações.

O crime no Brasil é julgado e sentenciado de acordo as condições sócio/econômica e da etnia pertencente do acusado. A ênfase principal é a defesa da propriedade, especialmente a privada. Portanto, tem maior peso o crime comum, praticado por pessoas comuns, de preferência negros e pobres. O crime de responsabilidade dos grandes proprietários, dos políticos, dos funcionários públicos de altos escalões, são minimizados, embora o dano social causado por eles seja, proporcionalmente, de maior intensidade.

A corrupção e o jogo de influência no exercício de atividades e obtenção de benefícios ilícitos fez escola na sociedade e no Estado. Reafirmo, portanto, que o Brasil dispõe de uma vasta legislação de proteção aos direitos humanos, mas a aplicação concreta da lei está longe de atender aos reclamos de justiça e legalidade. Vamos registrar alguns exemplos concretos para demonstrarmos a nocividade da cultura de discriminação existente do Brasil:.

1. O Jogo do Bicho é uma loteria popular ilegal, organizada por mafiosos brasileiros para a exploração econômica e com indicativos, resultado de investigações, de lavagem de dinheiro oriundo do narcotráfico. Sua relação com o poder público sempre foi muito próxima, pois na sua maioria são os promotores das escolas de samba que garantem a presença do turista estrangeiro no período do carnaval brasileiro. A atividade ilícita é considerada contravenção penal, entretanto, tem sido tolerada em razão de interesses diversos, inclusive de políticos, pois são beneficiados financeiramente durante campanhas políticas.

Nos últimos anos, o Poder Judiciário condenou alguns desses mafiosos por formação de quadrilha, garantindo-lhes certos privilégios no cumprimento da pena. Contudo, o jogo do bicho continua estruturado, rendendo muitos dividendos e promovendo corrupção. Isso sem falarmos em sonegação de impostos.

2. Em 1992, o Congresso Nacional cassou o mandato do, então, Presidente da República Sr. Fernando Collor de Mello, por crime de responsabilidade. A imprensa nacional noticiou uma série de ilicitudes praticadas por aquele ex-presidente e seu coletivo de sustentação: empresários, parceiros políticos, familiares. O escândalo sensibilizou a sociedade, mas não o Poder Judiciário, que, praticamente o inocentou por falta de provas - argumentação técnica - para não ferir acordos tradicionais da cultura política brasileira.

3. Em 1996 foram assassinados duas dezenas de trabalhadores rurais, no massacre conhecido internacionalmente, no município de Curionópolis, por agentes da Polícia Militar do Estado do Pará, com o aval do Governador local e financiamento de fazendeiros da região.

4. Em 05 de dezembro de 1996, seis pessoas acusadas de assassinato e emasculação de crianças e adolescentes no Estado do Pará foram inocentados pelo Juiz da Comarca de Altamira, Dr. Paulo Roberto Vieira, da 3a Vara Criminal, a pedido do Ministério Público local, por falta de provas, mesmo após alguns dos acusados serem reconhecidos por vítimas sobreviventes.

5. Nos Estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo, Acre, Amazonas o crime organizado tem o amparo da "Scuderia Detetive Le Coq", associação criminosa formada e mantida por magistrados, advogados, promotores de justiça, comerciantes, oficiais e agentes das forças armadas, especialmente da Polícia Militar desses Estados. Essa organização armada age eliminando crianças, adolescentes e adultos, julgados por seus membros como pessoas não gratas para a sociedade. Atualmente, tramita na cidade de Vitória, capital do Espírito Santo, uma Ação de Dissolução da Sociedade Scuderia Le Coq, requerida pelo Ministério Público Federal e com assistência do MNDH.

Poderia listar muitos outros casos. Mas essa pequena relação demonstrada permite afirmar que o Poder Judiciário brasileiro ainda é um obstáculo às transformações sociais e ao combate efetivo à impunidade. Pois tem decidido de acordo com os interesses dos grupos que impõem a dominação no Brasil.

Novas instituições de combate a impunidade

Em 1992, por iniciativa conjunta de entidades da sociedade civil, OAB e Procuradoria Geral da República, foi instituído o Forum Nacional Contra a Violência no Campo, que se reúne no Plenário da própria Procuradoria Geral, em Brasília e é coordenado pela Procuradoria Federal de Defesa dos Direitos dos Cidadãos. Esse Forum está legitimado e tem realizado uma série de intervenções, tanto no campo investigatório como preventivo. é um esforço de integração entre a sociedade civil e o Estado, no combate e prevenção à impunidade.

No dia 13 de maio de 1996, a Presidência da República lançou o primeiro Programa Nacional de Direitos Humanos, o qual reconhece a cultura de violação aos direitos humanos e propõe medidas a curto, médio e longo prazos para sua superação.

Embora ainda permaneça como uma carta de intenções é inegável a importância desse novo espaço e instrumento, a ser explorado para a implementação de políticas que modifiquem o atual quadro de violência e impunidade vivenciado no Brasil.

A temática dos direitos humanos atraiu um outro segmento político significante, as Comissões de Direitos Humanos criadas nas câmaras legislativas dos Estados e Municípios e no Congresso Nacional, além do Ministério da Justiça que criou uma Secretaria de Direitos Humanos. Esses organismos têm marcado presença em situações graves de violações contra a vida e a dignidade humana.

Da mesma forma, a Ordem dos Advogados do Brasil criou nas suas Secções estaduais, Comissões de Direitos Humanos, próprias, que por vezes têm destacadas intervenções.

Iniciativas da Sociedade Civil

Na sociedade civil existe um número razoável de entidades de defesa e promoção aos Direitos Humanos que combatem a impunidade das mais variadas formas. O Movimento Nacional de Direitos Humanos, nascido em 1982, é resultado da necessidade de articulação de significativas experiências isoladas e tem atuado no campo da denúncia, pesquisa de dados sobre violência e impunidade, campanhas de informações e promoção dos direitos humanos. Apesar do profundo preconceito contra a ação das entidades de Direitos Humanos, que são acusadas de defensores de marginais, o resultado prático é demonstrativo de que a intervenção desses organismos populares é na prática um exercício de uma parcela da política de segurança pública preventiva, na medida que consegue intermediar, mediar e amortecer conflitos sociais juntos ao poder público, além de exercer um real controle, nos casos em que são acionadas, dos excessos praticados por agentes estatais de segurança pública.

Conclusões Indicativas

A superação da impunidade no Brasil será possível se houver um comprometimento político dos dirigentes políticos e dos segmentos organizados da sociedade civil, pois é necessário o investimento em políticas de promoção humana capaz de influir no comportamento das pessoas, no seu universo de pensamento.

O Estado Democrático de Direito deve ser promovido a partir do funcionamento normalizado de suas instâncias, sem privilégios de qualquer natureza, mas com a aplicação da lei e o reconhecimento de direitos, para que essas instituições sejam fortalecidas e respeitadas e a população interprete nos agentes estatais seus representantes de fato e de direito. Do contrário, o fosso que separa o Estado da população brasileira aumentará, para prejuízo da própria nação, o funcionamento do Estado privilegiando segmentos dominantes inviabiliza a estabilidade dele como Estado de Direito.



Discurso presentado en el Seminario Internacional: "Impunidad y sus Efectos en los Procesos Democráticos". Santiago de Chile, 14 de diciembre de 1996.

Citar como: Dos Santos Medeiros, Salvino José Algunos Aspectos da Realidade Brasileira KO'AGA ROÑE'ETA se.iii,v.iii (1996) - http://www.derechos.org/koaga/iii/3/santos.html

Seminario Internacional "Impunidad y sus Efectos en los Procesos Democráticos
Ko'aga Roñe'eta, Serie iii, Volumen 3


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