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Com exceçao de alguns fatos novos, o processo judicial acabou por repetir os atos, os termos e os depoimentos colhidos pela Ordem dos Advogados, pela Comissão Parlamentar de Inquérito, pêlos inquéritos e sindicâncias, acrescido, é claro, pêlos depoimentos das testemunhas arroladas pelas defesas dos acusados.
Em 30 de junho de 1979, Janito Kepler foi preso em flagrante pelo Departamento de Organização e Correição da Secretaria de Segurança Pública no momento em que tentava extorquir a importância de dez mil cruzeiros de um receptador e falsário. Nessa época, o "idóneo" Janito Kepler -- a pura verdade! -- estava lotado na Delegacia de Furtos e Roubos . . .
Em última análise, como se vê, acumulando cargos ... de policial e ladrão!
Em outubro, Dirceu Pinto aditou a denúncia, para nela incluí-lo.
Em novembro de 1978 a Procuradoria Geral do Estado havia implantado a Coordenadoria das Promotorias Criminais, designando Dirceu Pinto como Coordenador. Homem calmo e humilde, mas inteligente e dotado de uma férrea vontade de fazer cumprir a Lei, corajoso como o Procurador de São Paulo, ele constituía a versão gaúcha do Dr. Hélio Bicudo. Assim, quando os jornais noticiaram que "Irno" havia chefiado a operação, o Promotor requereu a identificação judicial do acusado e, com base no auto de reconhecimento, formulou novo aditamento.
Com essas medidas, e com as denúncias contra o Delegado Pedro Carlos Seelig, contra os Inspetores Janito Jorge dos Santos Kepler, João Augusto da Rosa e o policial Orandir Portassi Lucas, o processo estava formado.
Agora, sem maiores comentários, enquanto a denúncia requeria a ouvida de testemunhos idóneos e insuspeitos - Luís Cláudio Fontoura da Cunha, João Batista Scalco Pereira, Marcos Soibelmann Melzer, Jaime Plavnik, Pedro Maciel, Olmo Lamas, José Mitchell, José Mariano de Freitas Beck, Otávio Francisco Caruso da Rocha, Najar Tubino, e, mais tarde, por determinação judicial, Eduardo Seabra Fagundes, Justino Vasconcelos, Jair Lima Krischke, Paulo Maciel, Carlos Alberto Kolecza e Jean Louis Weil -- a defesa dos policiais arrolava os Delegados Marco Aurélio da Silva Reis, Cláudio Cabral Barbedo e Romulo Ponticelli Giorgi, uma suspeitíssima trindade! Após, vinha o segundo escalão, ou seja, todos respeitáveis colegas dos acusados: Arthur Torelli Martins, Golberi Caetano, Ubirajara Fortes da Silva, António Goulart e outros.
Ao tempo do inquérito e da sindicância, uma das provas mais importantes deveria ser a concernente à perícia realizada no bilhete de Lilian. Dirceu Pinto não se convencera com o resultado dos exames dos peritos da Polícia Civil e da Polícia Federal. Por isso, resolveu solicitar novo laudo, indicando desta vez um expert da Justiça do Trabalho.
Fora anexada aos autos uma fotocópia da carta rogatória, documento de caráter internacional. Por razões desconhecidas, a primeira via do documento não fora juntada, ocorrendo o mesmo com o passaporte internacional de Lilian. O Juiz então requisitou os originais à Polícia Federal, que, todavia, alegou não possuí-los, acrescentando que os recebera fotocopiados.
Ocorrências desse género eram incríveis, e demonstravam que a Polícia, além de obliterar as atividades de perícia na fase investigatória, sonegava material importante para sua efetivaçao no estágio judicial.
Não obstante isso, havia o contrato de locação e, anexa, uma assinatura de Lilian numa "relação de móveis" do apartamento e algumas fichas de hospedagem em hotéis.
Tantas foram as falhas estruturais do bilhete que o laudo apontou um fraudulento processo de confecção da assinatura, que, com toda a segurança, resultou de falsificação. E terminou por concluir, categoricamente, que as assinaturas do contrato de locação e as do bilhete não pertenciam ao mesmo punho escritor, admitindo até que o corpo do bilhete fora escrito por pessoa diferente daquela que grafou a assinatura. Em conclusão: não foi Lilian que escreveu o bilhete. Mais uma artimanha policial acabava de desabar. Seu demolidor foi o Perito Ascánio Coelho Gomes.
Tinha razão o Desembargador José Paulo Bisol quando, em artigo na "Zero Hora", afirmava que o seqüestro dos uruguaios não era um simples caso judicial, mas de recuperação do auto-respeito e da dignidade nacional, e acrescentava: "a alternativa que ele propõe é disjuntiva e irreversível: ou se tem ou não se tem vergonha na cara."
Pelo seu trabalho, pelo desempenho de suas funções com zelo e probidade, Dirceu Pinto foi punido com o afastamento do cargo de Coordenador das Promotorias Criminais. Ele havia perdido a confiança do Procurador Geral, que se desculpou justificando:
-- Foi uma mudança de rotina.
Na verdade, não fora apenas o caso do seqüestro que motivara o ato de exoneração, mas principalmente outros casos delicados, sob o cuidado do Promotor, que comprometiam figurões policiais. Como segunda intenção, estava seu afastamento do assunto "seqüestro".
Prevendo essa possibilidade, o Senador Pedro Simon, em entrevista coletiva à imprensa, afirmou:
"Isto é muito grave, parece que este Promotor está sendo punido por cumprir o seu dever. Ele estava investigando a poiïcia e descobrindo os responsáveis pelo seqüestro. Talvez por isto esteja sendo punido."
Afirmando que Dirceu Pinto era de uma eficiência incómoda, a revista "Veja" obtemperava: "Até agora, de todo o modo, só se tem certeza de uma única punição: a do próprio Promotor."
Mas, se é certo que a balança da Justiça nem sempre se equilibra, muito mais certo é que a da Injustiça está sempre pendendo para um lado. Assim, pouco antes de punir a eficiência do agente do Ministério Público, a mesma revista "Veja", em 25 de julho de 1979, estampava a notícia do prémio discricionariamente distribuído . . . Por quem? Para quem? Leia o próprio leitor. Se ainda não esgotou sua capacidade de pasmar:
"Agraciado: com a Ordem do Mérito Militar, a mais alta condecoração concedida pelo Exército -- no grau de cavaleiro - o advogado Oswaldo de Lia Pires, defensor desde março dos policiais Pedro Carlos Seelig e Orandir Portassi Lucas, o "Didi Pedalada", envolvidos no seqüestro dos uruguaios Lilian Celiberti e Universindo Rodrigues; segundo comunicação feita pelo General António Bandeira, Comandante do III Exército, segundo a qual a honraria será entregue dia 25 de agosto, DIA DO SOLDADO; o policial Pedro Carlos Seelig, que em 1973 recebeu a medalha de pacificador, também será agraciado com a Ordem do Mérito Militar; dia 14; em Porto Alegre."
Enquanto isso, a Polícia Federal informava que iria processar o casal de uruguaios pelo uso de documentos falsos. Universindo, porque usara um passaporte falso, em nome de Luiz Piqueres de Miguel; Lilian, porque em inicio de 1978 viajara ao Brasil com passaporte em nome de Maria Ferrante.
Diante disso, é preciso que se saiba que todos os países do mundo se utilizam desse expediente quando se trata de preservar vidas. Foi o que ocorreu, por exemplo, há bem pouco tempo, quando os Estados Unidos forneceram a seus cidadãos residentes no Ira documentos falsos que lhes possibilitaram a saída incólume do território conflagrado.
Em nosso caso, tanto Universindo quanto Lilian os utilizaram apenas com propósitos de segurança pessoal, melhor esclarecendo: por precaução. Sabedores que a OCOA e o SID atuavam em todos os países do Cone Sul, a vinda ao Brasil, e especialmente ao Rio Grande, sempre lhes causava temor e apreensão. Tanto esses sentimentos eram fundados que o episódio do seqüestro acabou, infelizmente, por confirmá-los. Assim, tais documentos não foram confeccionados com o objetivo de delinqüir, e não houve dolo em seu uso. E mais: o casal não estava sendo procurado nem reclamado pela Justiça uruguaia. Nem eram acusados de haver praticado qualquer delito.
Mesmo assim foram caputrados e seriam eliminados pela sanha do Cap. Ferro, se o seqüestro não tivesse sido denunciado e não explodisse na imprensa brasileira.
Esse processo da Polícia Federal, sim, é que poderia ser chamado de "bobo". E o indiciamento seria "pró forma", pois de antemão se sabia que os militares uruguaios não permitiriam que eles retornassem ao Brasil para serem interrogados, por que então se poderiam manifestar e esclarecer definitivamente o caso todo. Eu mesmo denunciei essa circunstância e por várias vezes desafiei o Governo uruguaio a deixar que o casal viesse.
Deixou? . . . Não! Desculpou-se.
O Juiz de Instrução do Primeiro Turno, Cel. Carlos Gamarra -- que, nas horas em que não administra a Justiça, gerência a Tortura, se é que não confunde ambas - deixou de atender o pedido do Juiz Federal, Dr. Hervandil Fagundes, sob a escusa de que estavam sendo processados pela Auditoria Militar uruguaia, razão por que não podiam afastar-se do País.
E aqui, nova contradição: antes havia o Governo uruguaio atendido à "carta policial" que a Polícia Federal solicitara, agora negavam pedido de rogatória expedido pela Justiça Federal. Lá, como aqui, tudo se fazia para que os acontecimentos se mantivessem sob controle.
Caberia ainda fazer a seguinte pergunta: por que a Polícia Federal não processava os militares uruguaios que haviam falsificado documentos para, depois, acusar o casal e as crianças de os usarem para entrar clandestinamente no Uruguai?
Ouvidas todas as testemunhas e produzidas as razões finais, passou o processo às mãos do Juiz Titular da 3ª Vara Criminal da Comarca de Porto Alegre, Moacir Danilo Rodrigues, para promanaçao da sentença, que constou de 44 laudas datilografadas e procedeu a uma ampla análise de todos os fatos e documentos que compuseram o elenco de provas. O texto situa diligentemente, com minuciosa análise, todos os pormenores existentes no bojo processual, que foram observados com escrúpulo e referidos no relatório e na decisão com interjacente harmonia. Embora brilhante de início ao fim, a decisão assume substantiva importância no que concerne às relações internacionais, tendo, em caráter de subjacéncia, admitido a existência do crime de seqüestro.
Por serem os fatos já conhecidos, é dispensável a transcrição plena. Não obstante, merece consideração o seguinte excerto:
"Tenho, pois, por tudo o que resiou examinado, que o fato narrado na denúncia e aditamentos aconteceu, isto é, Lilian Elvira Celiberti Rosas de Casariego e seus dois filhos, Camilo e Francesca, e ainda Universindo Diaz foram presos em Porto Alegre e, ao menos por algum tempo, mantidos sob prisão, para depois serem levados para o Uruguai.
Este fato, seja que nome se lhe queira dar ocorreu. Disse, várias vezes, o ex-Governador Sinval Guazelli, que o esclarecimento era questão de honra para o seu governo. Acrescente-se que o repúdio a tal procedimento deve ser almejado por todo brasileiro que admite viver apenas sob um império: o da lei!
Embora a conotação politico-ideológica com que foi encarado este fato, ao Judiciário cabe apenas, e tao-somente, sa- ber se houve o delito, não importando as figuras dos sujeitos ativo e passivo, nem as causas a que estejam engajados. Só há uma causa maior: a verdade! Se as vítimas se encontravam no Brasil de forma ilegal, caminhos existiam, legais também, como a própria expulsão, com normas específicas a serem seguidas."
Ao final, o digno Magistrado, com fundamento nos artigos 4° e 6° da Lei nº 4.898, Lei de Abuso de Autoridade, julgou procedente, em parte, a denúncia e condenou Orandir Portassi Lucas e João Augusto da Rosa às penas de 6 meses de detenção, proibindo-os, outrossim, de exercerem funções de natureza policial no município de Porto Alegre pelo período de 2 anos.
Por falta de provas, absolveu o Delegado Seelig e o Inspetor Janito Jorge dos Santos Kepler, face às efetivas controvérsias existentes na doutrina e jurisprudência relativas ao valor do depoimento de menores. Destacava a sentença que, apesar do cuidado da Comissão em questionar Camilo, já anteriormente jornalistas haviam mostrado a ele fotografias de Seelig, fato que poderia tê-lo condicionado psicologicamente a uma acusação prévia.
Assim, o Juiz havia preferido condenar os dois policiais contra quem as provas assumiam o peso da evidência e da irrecusável culpabilidade. Evitava, dessa forma, que alguma precariedade com relação a Janito e alguma deficiência de certeza -convicção havia -, com respeito a Seelig viessem possibilitar a absolvição, mediante recurso, de todos.
Finalmente, para servir de exemplo a todos aqueles que não se envergonham de mentir à Justiça, a sentença determinou que fossem extraídas peças necessárias, com fins de denúncia, por falso testemunho, contra João António Silveira de Castro, Jorge Alves dos Santos -- testemunha de João Augusto da Rosa -- Oswaldo Biaggi de Lima, Patrocínio Lugo Acosta e Delegado Arthur Torelli Martins.
A força moral do julgador se impôs. O peso de seus argumentos e o acerto da decisão geraram um silêncio sepulcral por parte dos condenados. Não tinham como acusá-lo nem como gargantear os conhecidos chavões pejorativos.
O Juiz, ex-Vereador da ARENA e ex-Prefeito de Candelária, afirmara, ao assumir o caso, em 8 de maio de 1980:
"É uma questão de honra para a Justiça a apuração deste caso. A imagem do Judiciário está em jogo e pretendo dar minha sentença o mais rápido possível."
Nascido em Candelária e formado em Passo Fundo, sempre tendo sido promovido por merecimento, o Juiz demonstrou que tinha coragem, qualidade que os fatos demonstram ser absolutamente necessária, no Brasil, inclusive para o desempenho e cumprimento de deveres funcionais. Esse desassombro também fora característica do Juiz que o antecedera, António Carlos Netto Mangabeira. Ambos revelaram que, na hierarquia de suas consciências, o dever estava acima da carreira. E isso, apesar de cônscios de que atrairiam as iras do sistema, já suficientemente nítidas nas medidas de preterição a promoção do Juiz Paulo Tovo, o qual, quando promotor, se havia destacado pela imparcialidade das posições que assumira, particularmente duras e honestas, na apuração do "crime das mãos amarradas", em que o Sargento Manoel Raimundo Soares sucumbiu sob o peso da tortura.
Moacir Danilo Rodrigues e António Carlos Netto Mangabeira estavam revivendo, no plano real, o juiz grego celebrizado por Costa Gavras em seu filme "Z".
Da sentença apelaram ao Tribunal de Alçada o Ministério Público e a defesa. Composto de 63 paginas, o acórdão foi publicado em abril de 1981.
O Tribunal confirmou a absolvição de Pedro Seelig, entendendo que o reconhecimento de Camilo, nas circunstâncias em que ocorreu, não servia como prova condenatória, tendo invocado, para tanto, o relato de Da. Lília: para ela o menor não mostrara certeza na escolha da foto.
Sucede, todavia, que Da. Lília nunca foi efetivameníe ouvida. O Juiz Relator baseou-se no parecer de Jarbas Lima que, por sua vez, invocara o depoimento de Pedro Maciel. Este referiu que Da. Lília afirmara ter tido Camilo a impressão de haver visto Seelig antes. Como se observa, a prova é de terceira geração. Com isso, prescindindo do depoimento direto de Da. Lília, o Relator aceitou, para absolver Seelig, algo que apenas fora mencionado.
Agora, vale a pena examinar o argumento aceito para absolvição de Janito Kepler: porque
"a menção que Castro teria feito a Mariano Beck não especificava de que forma se tinha revestido a colaboração do irmão da cliente dele."
Ora, pergunta-se: como poderia o Dr. Mariano saber da forma de colaboração que Janito prestara, se a própria Policia mantinha tudo envolto na mais densa embalagem de mistério, inclusive subtraindo provas e forjando fraudes? Era exigir demais!
Com relação a João Augusto da Rosa é de se salientar que Luís Cláudio afirmava que ele não estivera na Assembleia por ocasião do reconhecimento. Mas o Tribunal considerou suficiente ter constado seu nome na lista. Valeu-se ainda das bravatas do Cap. Ferro - que teria comentado em tom jocoso que sacara da pistola contra os jornalistas, vangloriando-se de tê-los assustado, segundo informações de Garcia Rivas. Mas o Cap. Ferro também não foi ouvido. Além disso, era prova indireta, que servia mais para contusões e despistes dü que para fundamento da absolvição.
Refere o acórdão: "A narrativa em causa lança pelo menos dúvida sobre a presença de João Augusto no apartamento da rua Botafogo. E, na dúvida, não se pode condenar."
Aí está uma ambiguidade inaceitável. Se Didi foi condenado porque reconhecido pêlos jornalistas -- tendo o mesmo ocorrido com relação a "Imo" -- não se entende o porquê da absolvição deste. Pela palavra direta das testemunhas, com depoimentos, acareações, reconhecimentos e tudo o mais, nenhuma dúvida pairava sobre o que ocorrera. Tudo era certo, lógico, matemático. A prova se harmonizava com os fatos, nos textos e no contexto. Todos os indícios e circunstâncias examinados em conjunto tinham habilidade legal mais para condenar do que para absolver.
As folhas 54, o acórdão expressa textualmente:
"Demonstrado ficou que Orandir reteve Lilian em seu apartamento e que a mesma foi entregue às autoridades uruguaias.
Não há, porém, prova de que ele haja desta última operação participado diretamente."
Na primeira parte há reconhecimento explícito do seqüestro. Mas, se não foi Didi - o único condenado -- que entregou as vítimas às autoridades uruguaias, quem teria sido? Uma só pessoa não poderia sequestrar quatro e guiar dois automóveis simultaneamente. Ou teria sido um passe de mágica? - como comentara sarcasticamente Melzer - dois anos antes.
Assim, como condenar Didi e absolver os demais? E dizer, como consta do acórdão, que a "vitima, comprovadamente, do ilícito praticado por Orandir foi apenas Lilian. Só ela estava no apartamento".
Não se pode entender o processo mental de que teria o Tribunal se utilizado para conseguir separar fatos de uma mesma história. O seqüestro começou dia 12, e não 17. Se somente Lilian estava no apartamento, o acórdão deveria perquirir sobre o destino dos demais. Os fatos foram indissolúveis e sem solução de continuidade, totalmente avessos ao divórcio operado pelo documento. E não se encerraram no dia 17, porque se desdobraram na sucessiva entrega das vítimas aos militares uruguaios no Chuí.
Todas essas circunstâncias foram observadas pelo Juiz Mário Rocha Lopes, embora voto vencido. Disse ele que, com presteza e diligência invulgares, a autoridade sindicante comprovou a permanência ilegal de Universindo e o passaporte falso usado anteriormente por Lilian. O mesmo zelo, todavia, não demonstrou na averiguação do fato ocorrido na rua Botafogo, e assinalava:
"O inquérito foi o que é. Não o que devia ser."
Mário Rocha viu mais. Viu o que havia por ver. E aqui há um fato de suma importância, consignado por Dirceu Pinto, quando da denúncia dos réus. Alguns documentos pessoais de Lilian se encontravam no volume II da sindicância administrativa. O significado que têm tais documentos trazidos ao processo pela Polícia Estadual é de tal monta que vale a pena conhecer os argumentos expostos por Mário Rocha Lopes quando vouta pela condenação do Delegado Seelig:
"Trouxe, no entanto, documentos em fotocópia, oriundos - pelo termo de juntada (fls. 268) - da Superintendência Regional do Departamento de Polícia, mas que, inexplicavelmente, não foram anexados ao inquérito realizado pela Policia Federal,
Entre eles, vieram os de fls. 459/464, dos quais se vê documentos pessoais de Lilian.
Sublinhe-se ter resultado comprovado, na CPI, através de perícia anexa ao processo n° 2654, terem sido forjados os documentos (fls. l 23), com que a Polícia Federal pretendeu convencer haverem os uruguaios, com nomes falsos, viajado em ônibus de Bagé a Melo (Apenso-CPÏ, vol. 39 - 548). E também forjado foi ü billiete de Lilian a Jaime Plavnik, desistindo da locação, conforme evidencia a perícia de fls. 878/913 (V volume).
Justamente por não estarem, os apontados procedimentos, revestidos da imparcialidade e empenho exigíveis de qualquer investigação séria e porque os efeitos de investigações facciosas necessariamente se refletem na coleta da prova em Juízo, qualquer indício incrimínatório assume especial relevo.
Afastou-se desse entendimento a douta maioria, pretendendo prova direta, no caso, absolutamente impossível. O fato, pelas suas peculiaridades e pela forma como foi investigado, não comportava tal exigência, bastando indícios para embasar um juízo condenatório, partir do fato -- concretamente provado nos autos da participação de Orandir Portassi Lucas, em concurso com outros elementos não identificados.
Constitui lógica presunção que o subordinado aja sempre em função e na medida de ordem superior e essa presunção cresce e se avoluma quando o seu pautar, pela forma e circunstância em que se exterioriza, afasta, de logo, a possibilidade de açao por iniciativa própria. E seria ilógico pensar e ingénuo admitir que Orandir Portassi Lucas, simples investigador, em estágio probatório, pudesse conceber e comandar a ação noticiada na inicial e comprovada nos autos.
Evidentemente alguém, hierarquicamente superior, concebeu o plano e comandou a operação."
E, finalmente:
"Mas não são somente esses indícios que conduzem ao acusado Pedro Seelig.
Documentos pessoais de Lilian, alguns comprometedores, como sua caderneta de apontamentos, com codinomes, inclusive o próprio, e cópias de fonogramas com ele expedidos, vieram a lume somente na sindicância procedida pelo DOPS e a existência daqueles, em mãos da Polícia Estadual, só se explica com a prisão daquela por esta.
De outra parte, pela única versão que não sofreu contestação nos autos, os uruguaios teriam sido entregues pela polícia gaúcha às autoridades uruguaias na divisa do Arroio Chuí e, coincidentemente, a 14 de novembro de 1978, dois dias depois daquele em que Lilian situa o seqüestro -- em correspondência à família (fls. 631/633, 4º Vol.) -- Pedro Seelig tomava providências no sentido de deslocar policiais para Santa Vitória do Palmar, supostamente para cobrir o XXXI Congresso Estadual de Estudantes e, no dia seguinte, deslocava outro grupo, em viatura da Polícia para averiguar suposto crime eleitoral, no Alto Uruguai (Apenso I, fls. 121/123).
A esse elenco circunstancial, soma-se a palavra de Jean Louis Weil, ouvido sob o crivo do contraditório, pela qual, informações prestadas por uruguaios davam Pedro Seelig como participante da operação (Vol IV, fls. 794).
Por tudo isso, se me afigurou suficiente a prova para embasar a condenação consignada no respeitável acórdão, item X, parte final, sublinhando, agora, como fiz por ocasião do julgamento, não ter imposto a Pedro Seelig a perda do cargo, porque, pelo conjunto probatório recolhido, percebe-se que, apesar de instrumento, foi ele também vítima do sistema que o agraciou com a Medalha do Pacificador."
Aí está a palavra de um juiz. Outro daqueles cuja estatura é a mesma do Dr. Danilo, do Dr. Mangabeira e outros que, no Rio Grande ou no Brasil -- como no caso Herzog -- honraram e honram a magistratura e a classe dos advogados, e prestam, por suas atitudes sobranceiras, permanente preito à Justiça, administrando-a com honestidade, independência e, acima de tudo, com coragem.
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